Na
língua portuguesa, temos o que poderíamos chamar de grandes eras da literatura,
sendo que esta nomenclatura é utilizada para representar os períodos
históricos: medieval, clássica, romântica e contemporânea. Dentro destas eras,
historicamente falando, ainda teríamos algumas escolas literárias, que seriam
alguns estilos que caracterizariam um período histórico menos com
características próprias de escrita.
Nestes
períodos, sempre houve uma diferença fundamental entre o estilo de época e o
estilo individual, sendo que o estilo individual representa a maneira com cada
escritor ou poeta desenvolvia seus próprios textos, ao passo que o termo estilo
de época, é usado para descrever as características dos períodos históricos os
escritores e poetas estariam inseridos. A escolas literárias, são as divisões
menores, usadas em estudos acadêmicos e mesmo para estudos básicos nas escolas
brasileiras, quando são apresentadas às pessoas as concepções básicas de
literatura.
Antes
que comecemos os estudos sobre a literatura antiga, resta dizer que não
podermos separar os estilos de época em pontos específicos, datas ou prazos
fixos, afinal há sempre um período de transição entre escolas literárias, e
algumas características sempre permanecem durante muito tempo, isto, é claro,
sem levarmos em consideração o estilo individual de cada autor, que pode conter
características de outras escolas literárias, sejam do passado ou do futuro!
Trovadorismo
Antes
que comecemos com maiores explicações, é necessário que nos questionemos a
respeito da origem desta palavra que descreve a primeira escola literária da
qual trataremos: Trovadorismo.
Caso
alguns dos leitores sejam versados em outras línguas, poderiam perceber que o
termo trovadorismo é parecido com “trovare” em italiano, que significa
procurar. Não resta dúvidas de que se trata da mesma palavra, afinal, de acordo
com o conceito, o poeta deveria “procurar” pelas palavras para poder manifestar
a arte como as pessoas a conheciam naquele período.
Em
um ambiente palaciano, os nobres produziriam esta poesia que pode ser dividida
em alguns tipos, ao passo que os vilões[1]
que viriam a produzir obras no mesmo sentido, seriam conhecidos como jograis.
Exploremos
agora um pouco dos estilos de poesia da época, conhecida como cantiga:
O
termo cantiga, próprio para descrição desta poesia por se tratar de poesia ao
som de instrumentos musicais, sofre aqui duas divisões básicas, a antiga
lírico-amorosas e as cantigas satíricas. Exploremos cada uma destas para
contemplarmos mais alguns detalhes peculiares.
Cantiga
lírico-amorosas – podem ser divididas em cantigas de amor e cantiga de amigo;
A)
As cantigas
de amor, como o próprio nome já diz, trata de uma poesia voltada para o amor,
no caso, entre um homem e uma mulher. No entanto, nestas poesias, o eu lírico [2]
é sempre masculino, e clama pela mulher amada, apesar de nunca conseguir
conquistá-la, por medo e por ela recusá-lo sempre por causa de sua posição
hierárquica inferior. O homem então, lamenta o amor impossível.
A palavra “coita”, literalmente “sofrer de amor”
aparece em muitas das cantigas. Vejamos
aqui um exemplo de cantiga de amor:
"A
dona que eu am'e tenho por Senhor
amostrade-me-a
Deus, se vos en prazer for,
se
non dade-me-a morte.
A
que tenh'eu por lume d'estes olhos meus
e
porque choran sempr(e) amostrade-me-a Deus,
se
non dade-me-a morte.
Essa
que Vós fezestes melhor parecer
de
quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
se
non dade-me-a morte.
A
Deus, que me-a fizestes mais amar,
mostrade-me-a
algo possa con ela falar,
se
non dade-me-a morte."
(Bernal de Bonaval):
Como
podemos observar na poesia descrita acima, o eu lírico masculino busca a figura
feminina, mas não pode atingi-la e se lamenta durante os versos ulteriores. É
um exemplo clássico de um dos autores do trovadorismo de 1.200; inclusive é
autor d texto literário galego-português mais antigo que se pode datar com
precisão. Há ainda outras quatro divisões nas cantigas de amor:
Cantiga
de meestria-um tipo de trova mais complexo , no entanto não possui refrão, nem
estribilho e nem as repetições que são características das cantigas em trova.
Cantiga
de tense – trata do diálogo entre cavaleiros em tom de desafio. Gira em torno
da figura feminina da mesma maneira.
Cantiga
de pastorela – como o próprio nome já diz, trata do amor entre plebeus ou do
amor por uma pastora (plebeia).
Cantiga
de plag – uma cantiga de amor na qual predominam os lamentos.
B)
Cantiga de
amigo – cantiga na qual o eu lírico é feminino[3]
canta a tristeza de seu amado que está em alguma guerra, mas também Pode tratar
da alegria de uma jovem donzela ao esperar pelo próximo encontro com o amado.
Geralmente os diálogos das cantigas acontecem entre a jovem e a mãe, mas há variações.
Uma diferença entre este estilo de cantiga e as cantigas de amor é que esta não
acontece em ambientes palacianos e aristocráticos, mas em uma área campestre, e
o amor não é impossível, pois não há esta característica hierarquia, ou o eixo de
vassalagem, como dizem alguns estudiosos.
Vejamos mais um exemplo de cantiga:
"Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!
ai Deus, e u é?"
(D. Diniz)
O eu lírico
presente na poesia é muito evidente. Quando a jovem donzela diz amigo,
lembremos sempre que se trata de um “namorado”, afinal, estas poesias tratam de
uma jovem que está se iniciando no universo do amor. SE OBSERVARMOS A POESIA
ACIMA, NOTAREMOS O LAMENTO DA JOVEM PELO NAMORADO QUE PARTIU PARA A GUERRA, UMA
OBJETIVIDADE QUE POR VEZES FALTA EM OUTROS ESTILOS DE ESCRITA DAQUELE PERÍODO,
DEUS APARECE COMO UMA FIGURA IMPORTANTE, ENTRE OUTRAS CARACTERÍSTICAS.
PASSEMOS
AGORA às cantigas satíricas, que possuíam
um objetivo diferente, como o próprio nome já diz, tratam da sátira.
a)cantiga de
escárnio – um tipo de cantiga voltado para a sátira indireta de algumas pessoas
da época, mas que valia-se de ambiguidades e jogos semânticos para atingir às
pessoas sem mencionar nomes. Como se trata de um recurso verbal predominante,
estas cantigas muitas vezes eram irônicas e bem mordazes:
"Ai dona fea! Foste-vos queixar
Que vos nunca louv'en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via;
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!
Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
E pois havedes tan gran coraçon
Que vos eu loe en esta razon,
Vos quero já loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora já en bom cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!"
(João Garcia de Guilhade)
Na poesia acima, é bem evidente o tom irônico utilizado pelo autor, além das outras sutilezas que eram usadas para dar o efeito desejado, como ambiguidades, sutilezas e os trocadilhos. Diz a estória que uma senhora reclamava sempre que o autor não escrevia nada sobre ela, então, cansado de tantas reclamações, João Garcia compôs estes versos irônicos.
b)Cantigas de maldizer – ao contrário da primeira, esta é uma cantiga com críticas diretas, sem jogos de palavras ou quaisquer tipos de ambiguidade. Por vezes os autores se valiam de palavras de baixo calão; mencionavam nomes e eram mais objetivas:
“Roi queimado morreu con amor
Em seus cantares por Sancta Maria
por ua dona que gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela non quis [o] benfazer
fez-sel en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer dia!…”
Uma última observação de importância é que a linguagem, apesar de toda a zombaria, era culta.
[1] Não
se trata aqui de um termo qualquer, como podemos contemplar em filmes ou
estórias para crianças, pois o termo vilão, em sua origem etimológica significa
“habitante da vila” termo usado na época para a plebe. O termo vilão, como o
conhecemos hoje adquiriu esta denotação com o tempo...
[2] Eu
lírico é um termo dos estudos literários para se referir a quem está narrando a
estória na poesia, afinal podemos ter um eu lírico masculino ou feminino.
[3] Mais
uma vez é importante salientar que eu lírico não é a mesma coisa que autor.
Estamos falando da “voz” que narra os eventos dentro do universo poético e não
do autor em si. São duas coisas completamente diferentes. Lembremos sempre que
estamos falando da idade média, e neste período, o conhecimento era restrito às
mulheres.
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